Nota Explicativa
Frei Bernardo de Vasconcelos morreu no dia 4 de Julho de 1932.
Precisamente nessa data, saiu à luz o seu livro de versos Cântico de Amor. E dois anos depois, em 1934, apareceu, como autobiografia sua, a Vida de Amor.
As edições esgotaram-se, os homens morreram, os anos passaram, muita coisa esqueceu, mas nem tudo o vento levou. O nome de Frei Bernardo de Vasconcelos é lembrado, com muito amor e carinho. Mais do que isso: é «invocado». E ainda mais: o exemplo da sua vida continua, sendo uma interpelação, e a doutrina dos seus escritos uma luz; Interpelação à conduta amolentada de muitos, luz à desorientação da maior parte — a todos os níveis, mas particularmente da juventude.
Por isso, quando surgiu o pensamento desta reedição, aqueles que o tiveram nem sequer formularam a dúvida: Valerá a pena? Porque vale toda a pena, do trabalho e da despesa, qualquer ajuda que se pres- te a quem se consome na busca dum caminho; nem há caridade maior do que a de acender uma luz a quem tacteia na escuridão.
Evidentemente que a Vida de Amor não é um livro moderno. A forma literária das cartas (que não foram escritas para a publicidade) pode a alguns parecer antiquada; mesmo a expressão da doutrina, a formulação do pensamento místico ou ascético, pode não agradar ao exacerbado humanismo de agora; e o trabalho cerzidor de quem fez a compilação pode, até, não ter sabor para modernos paladares. Porém, o fundo da doutrina não parece nem é ultrapassado.
Assim, não é um retrato esmaecido pelo tempo, o que vimos depor nas mãos da juventude de agora. É porém, lá isso é, uma imagem diferente daquelas a que anda habituada; quem a imaginasse hyppie ficaria desiludido, e quem a pensasse burguesa não a teria entendido.
É uma figura diferente.
Idealista? Sem dúvida. Mas utópico, não.
No frontispício da obra, respeitou-se o subtítulo: autobiografia.
Mas qualquer espírito exigente tem direito a reclamar: Frei Bernardo nunca escreveu a sua vida!
Não. Mas não há dúvida que se retratou nas suas cartas. A obra saiu sem prólogo. Porém a «Legenda»: É ele ... oferece-nos a justificação convincente do caracter autobiográfico destes escritos epistolares.
Falou vivendo ... vida de amor.
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Aquém se deve, pois, este trabalho, que, sendo dele, não é dele?
Deve-se a seu pai espiritual, Dom António Coelho.
Também já morreu há muito: 20 de Dezembro de 1938. Devemos, in memoríam, deixar-lhe aqui breves traços biográficos.
Nasceu em Braga, a 24 de Maio de 1892, e foi baptizado na igreja de S. João do Souto a 9 de Junho seguinte. Seu nome civil era Manuel Augusto Coelho. O pai, Francisco José da Conceição Coelho, morreu em 1897; a mãe, D. Maria Júlia Fernandes Coelho, morreu no ano seguinte. Órfão aos seis anos de idade, encontrou um segundo pai na pessoa de seu tio materno P. Alberto José Fernandes, pároco de Cavalões (Famalicão), falecido a 28 de Abril de 1922.
Em Outubro de 1905 deu entrada na Escola Claustral de Singeverga. Em 1910, na altura em que devia começar o seu noviciado, deu-se em Portugal a mudança de regime político, com suas conhecidas consequências reflectidas na vida religiosa, e o jovem estudante foi tomar o hábito beneditino no Mosteiro de Mont-César, em Lovaina (Bélgica), a 26 de Janeiro do 1911.
Professou a 27 de Janeiro de 1912 e começou os estudos eclesiásticos.
Rebentando a primeira Grande Guerra, em 1914, e invadida a Bélgica, foi levado prisioneiro para a Alemanha; consegue, no entanto, regressar à Bélgica ocupada, terminar os estudos e receber a ordenação sacerdotal das mãos do Cardeal Mercier, a 24 de Setembro de 1916. No ano seguinte, é nomeado professor de Teologia Dogmática na abadia de Mont-César.
Terminada a Guerra, volta para Portugal, chegando a Singeverga a 8 de Outubro de 1919. Trabalhador infatigável, volta ao estrangeiro em 1921, completando os seus estudos litúrgicos com os grandes mestres que então floresciam.
Em 1922, publica a tradução portuguesa do livro de D. Gaspar Lefebvre, Liturgia, Princípios Fundamentais. E entrega-se totalmente, de alma e coração, à concretização do sonho em que consumiu, e bem rapidamente, o resto da sua vida: a restauração litúrgica em Portugal, paralelamente com a restauração da sua Ordem monástica.
Com vista à restauração litúrgica, dispende-se em Congressos, Semanas e Retiros. Lança a revista Opus Dei (Braga, 1926-1937) e publica, além de vários opúsculos e colecções, os 5 volumes do seu Curso de Liturgia Romana (1926-1930), obra que o imortalizou e mereceu ser traduzida em francês e italiano.
Com o fim de restaurar a Ordem Beneditina em Portugal, dedica-se à formacão de jovens candidatos no estrangeiro — mosteiro de Samos, Galiza — e, feito Prior de Singeverga (1926-1932), aproveita a abertura religiosa da revolução de Maio 26 para juntar na Falperra (Braga) a sua comunidade estudantil. Em 1931, consegue a oficialização da Ordem como corporação missionária restaura a vida monástica em Singeverga.
Foi nesta fase que Dom Antônio Coelho conheceu Bernardo Vaz Lobo Teixeira de Vasconcelos; que o conheceu, o formou espiritualmente, o dirigiu e orientou nos caminhos de Deus. Frei Bernardo foi o mais aproveitado dos seus filhos espirituais. Afeiçoou-se-lhe de maneira que, quando em 1932 Dom António deixou Singeverga e foi tentar a restauração deTibães, o dedicado monge, muito doente já, não resistiu mais aos estragos duma doença de seis anos e aos sobressaltos daquela mudança de rumo.
Também, Dom António morria aos poucos. Em 1937, faltando-lhe a vista, era forçado a suspender a publicação da Opus Dei. Em 1938, Singeverga era elevada a abadia, e o aço fino daquela vontade quebrou. Quando, a 27 de Julho desse ano, regressou a Singeverga, já não era um monumento, era uma ruína.
Celebrou pela última vez o Santo Sacrifício da Missa dia 2 de Novembro. Foi sacramentado a 8 do Dezembro. E ao findar a quarta-feira dia 20, o último suspiro foi-lhe abafado por uma golfada. Tinha o fígado desfeito.
As duas almas, belíssimas, encontraram-se no Coração de Deus.
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Queremos reapreciar mais uma vez o formoso testemunho do Cardeal Cerejeira, que conheceu Frei Bernardo em Coimbra:
«Quando conheci o Bernardo, já ele tinha reconhecido a Jesus, e procurava segui-l'O como fiel discípulo.
Antes, tinha-se perdido no caminho, entretido a colher flores efêmeras, que se lhe desfaziam todas como sombra que quisesse apanhar nas mãos. A sua sede de ideal era infinita, para que lha pudessem matar as belezas da terra.
Mas um dia, como o apóstolo virgem, teve a fortuna de reconhecer em Jesus que passava, o Senhor. Pode dizer-se que começa desde então a história de Bernardo de Vasconcelos.
Foi Jesus que o revelou a ele mesmo. Disse-lhe a palavra de vida, que o salvou de se perder na multidão anónima daqueles cujo nome se não conhece.
Vendo-se à luz divina foi que se conheceu. Viu então a dignidade e a responsabilidade de viver o pensamento de Deus a seu respeito: e quis ser fiel a si mesmo, para tudo aquilo para que Deus o criou.
Nenhum artista da terra, por mais glorioso, fez jamais obra que se aproximasse daquela que o Bernardo de Vasconcelos realizou na argila humana. Enquanto aquele procura realizar na matéria um pensamento humano, o Bernardo consumiu-se todo na obra da própria conversão no pensamento divino, em Cristo.
A sua vida, a que tem história, foi assim magnifica e viva obra de beleza e da amor.»
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Queira Deus que o bom acolhimento da 7ª edição desta Vida de Amor,(Autobiografia de Frei Bernardo)seja a garantia da acção sobreviva e da benfazeja influência póstuma deste modelo de jovens que se chamou Frei Bernardo de Vasconcelos.